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Como a IRB virou a maior do Brasil, enganou investidores e articulou uma fraude de +R$ 1 bilhão?

Atualizado: 21 de nov. de 2022

por Leandro Siqueira [twitter] @vowtz

Como uma empresa criada em 1939 por Getúlio Vargas virou a maior do Brasil, enganou investidores e articulou uma fraude de +R$ 1 bilhão?


Entenda a famigerada história do IRB Por anos o IRB ocupou o cargo de queridinha do mercado financeiro. Bancos, researchs e gestores idolatravam a empresa. Com a alta irrefreável, investidores fizeram fortunas com as ações dela.

Aparentemente, não havia nada que pudesse dar errado – mas só aparentemente. Numa prosaica segunda-feira, o inesperado aconteceu: a Squadra, renomada gestora carioca, divulgou uma carta ao mercado.

Indo na contramão do que todos acreditavam, ela dizia apostar na queda das ações do IRB.

O motivo? A descoberta de uma fraude colossal. O IRB foi criado em 1939. Na época, o Brasil era governado por Getúlio Vargas, um presidente com claro viés nacionalista.

No seu governo, foram criadas as maiores estatais brasileiras: • Petrobras • Vale • CSN O mote por trás da criação das estatais era impedir que as riquezas brasileiras fossem parar nas mãos dos estrangeiros.

Contudo, uma riqueza havia sido deixada de lado nessa história: o seguro de grandes riscos. O seguro de grandes riscos é aquele em que o valor coberto é tão alto, mas tão alto, que uma seguradora sozinha não conseguiria dar conta de pagar a indenização caso acontecesse um desastre.

Na época, esse mercado era dominado por empresas internacionais.

Logo, muito dinheiro saía do Brasil, tornando o dólar mais escasso e, consequentemente, mais caro.

Pra dar um basta nisso, Getúlio criou o Instituto de Resseguros do Brasil – agora, denominado IRB. Há vários tipos de seguro: de vida, de carros, de incêndio e até de geadas. O evento que leva o seguro a pagar a indenização é chamado de "sinistro".

Já o dinheiro que o cliente paga pelo seguro é chamado de "prêmio". Ganhar dinheiro vendendo seguros é "simples".

Tudo o que a seguradora precisa fazer é ganhar mais com os prêmios do que ela vai gastar com sinistros.

Pra conseguir isso, a seguradora usa a chamada "Lei dos Grandes Números". Vamos imaginar que a chance do seu carro ser roubado durante um ano é de +- 0,3%. Considerando que o seu carro custe R$ 100 mil, o valor que você deve esperar perder ao ano é de: O problema é que ninguém rouba em "parcelas". Quando você é roubado, R$ 100 mil vão embora de uma vez.

Portanto, esse "valor esperado" faz pouco sentido pra você na prática.

É aí que entra a Lei dos Grandes Números O que a Lei dos Grandes Números diz é que a probabilidade real se aproxima da teórica quanto maior o número de observações.


Explicando em bom português... As chances de você tirar "coroa" ao jogar uma moeda pra cima são de 50%.

Isso implica que se você jogar uma moeda 10x pra cima, vão sair necessariamente 5x coroa?

Obviamente, não. Entretanto, caso você jogue a moeda milhares de vezes pra cima, aí sim, é bem provável que metade dê coroa. Quanto maior o número de observações (moedas jogadas) mais próxima a probabilidade teórica (50%) fica da probabilidade real (número de coroas).

Pra garantir isso, a SUSEP (regulador) criou um negócio chamado "limite de retenção".

Esse limite determina que a quantidade de seguros que a empresa pode vender é restringida pelo patrimônio líquido dela (a grana que ela tem).

Em geral, esse limite é de 5% do patrimônio. Toda vez que a seguradora vende um seguro, o patrimônio dela diminui. A explicação é: - Quando o dinheiro da venda entra, o ativo aumenta - Só que esse dinheiro é provisionado, o que também aumenta o passivo.

O nome disso é "Diferimento de Receita". Não vou entrar nos pormenores de por que isso é feito.

O importante é que a grana que entra não aumenta o patrimônio (ativo e passivo crescem igualmente).

O problema é que a empresa gasta uma grana pra vender o seguro (vendedores etc). Esse gasto entra como despesa ("custos de aquisição"), o que reduz o patrimônio líquido. Logo, a seguro vendido, o patrimônio diminui. That's a problem: quanto mais seguro você vende, menos você pode vender (independente do tipo, já que seu patrimônio diminuiu). A boa notícia é que há uma solução: resseguros. O que as seguradoras fazem no Brasil é transferir uma parte dos seguros que elas venderam para as resseguradoras. A princípio, pode parecer que é a mesma coisa que vender menos seguros. A não ser por um detalhe: a comissão de resseguro. Essas comissões são pagas pelas resseguradoras para (teoricamente) compensar os "custos de aquisição" que as seguradoras tiveram. Na prática, as comissões são maiores do que os custos. Portanto, toda vez que a seguradora faz um resseguro, o patrimônio dela aumenta. O nome disso é "surplus relief". As seguradoras e ressegurados têm um negócio muito parecido. A grande diferença é que:

  • Seguradoras são varejistas (vendem para pessoas)

  • Resseguradoras são atacados (vendem para as seguradoras)

Por conta disso, o "float" que fica nas resseguradoras é gigantesco. Com uma taxa de juros real média em torno de 6% a.a., dá pra fazer fortunas só investindo esse float.

É assim que as resseguradoras (br) ganham dinheiro. Agora que você entendeu tudo isso, será muito mais fácil compreender como o IRB arquitetou a sua fraude.


O IRB era a empresa dos sonhos:

  • Lucros altos

  • Crescimento constante

  • Excelente ROE

Eu não falei um bom ROE, eu falei EXCELENTE.


Enquanto em 2018 o ROE do IRB chegou a mais de 30%, o das concorrentes não passava de míseros 5% ao ano.

O IRB, de acordo com os dados, era a melhor resseguradora do MUNDO.

Bom demais pra ser verdade. Das duas uma: ou eles tinham descoberto a fórmula mágica do dinheiro ou havia algo muito errado nessa história.

Havia uma explicação para esse ROE fenomenal, segundo um relatório do Morgan Stanley: a taxa de sinistralidade. Taxa de sinistralidade nada mais é do que quanto a empresa gastou com indenizações a cada R$ 1 que ela ganhou vendendo seguros.

Em 2018, a sinistralidade do IRB foi de 56%.

Isso era estranho: a taxa média das resseguradoras ao redor do mundo inteiro era de +/- 75%. Desde o IPO, a sinistralidade do IRB no Brasil havia sido de 35%, o que, na linguagem popular, é f*cking impossível.

Olhando os dados disponíveis na SUSEP, a taxa de sinistralidade média no Brasil era de 61% desde 2017. O IRB tem mais de 40% do mercado de resseguros no Brasil. Pra conta fechar, as outras resseguradoras deveriam ter uma taxa de 75%: mais que o dobro da IRB. Só que havia algo pior. Quando rola um sinistro, a resseguradora não indeniza direto o cliente, mas sim a seguradora (que repassa a grana).

Nos dados da SUSEP, constava o quanto as seguradoras receberam de reembolso da IRB. Adivinha só?

Esses dados não batiam com os que constavam na DRE do IRB.


Em bom português, ela divulgava uma despesa com sinistros muito menor do que realmente era pago, fazendo a taxa de sinistralidade dela ser muito menor do que o normal.


No total, entre 2017 e 2019, essa diferença chegou a surreais R$ 1,6 bilhão de reais. Como explicar essa diferença gritante?

Pra responder essa pergunta, a Squadra foi atrás do Triângulo de Sinistros.

Esse triângulo divide os resseguros de acordo com o ano em que eles foram vendidos. Nessa imagem estão os anos em que os resseguros foram feitos.

Dos feitos em 2014, por exemplo, a IRB gastou R$ 50 mi com sinistros no mesmo ano. Já no ano seguinte, em 2015, ela gastou R$ 500 mi.

Em 2016, ela gastou mais R$ 1 bilhão. (assim a coisa vai até 2019)

Essa é a origem da "ilusão". Calculando a taxa de sinistralidade pela mera divisão do quanto o IRB gastou com sinistros em um ano pelo quanto ela ganhou com resseguros nesse mesmo ano, vamos encontrar um valor muito baixo.


O motivo é simples: sinistros demoram a acontecer. Com o número de resseguros vendidos crescendo, sempre vai haver + grana entrando do que saindo (criando a ilusão de que a sinistralidade está baixa).

Calculando pelo triângulo, porém, a sinistralidade do IRB entre 2017 e 2019 era de 70%.

Esse truque funciona bem: até que a rodar para de girar.

Não dá pra vender um número cada vez maior de resseguros todo ano.

Uma hora, a verdade viria à tona.


Foi aí que o IRB teve uma ideia brilhante. Existe um "delay" entre a resseguradora ser avisada que houve um sinistro e de fato pagar o reembolso à seguradora.

Como nada pode escapar da contabilidade, é criado uma "Provisão de Sinistros a Liquidar* (PSL) para registrar o valor que ainda deverá ser pago. O que pouca gente sabe é que no momento em que o seguro é ativado (um carro que bateu, por exemplo), a seguradora (ou resseguradora) passa a ser dona dele.

Ela pode, então, vender a carcaça e ficar com o dinheiro.

Essa grana é o que a gente chama de "salvados e ressarcidos". Como existe a chance do IRB recuperar uma grana com isso, ela pode reduzir o valor provisionado pelo quanto ela ACREDITA que conseguirá reaver.

Praticamente nenhuma resseguradora faz isso.

Nem o IRB fazia: até 2019.

Com o cerco apertando, ele mudou de ideia.

O achismo começou com R$ 150 milhões (6% da PSL).

Em pouco tempo, esse valor já chegava a R$ 600 milhões (30% da PSL).

Esse truque foi ótimo para maquiar o crescimento da taxa de sinistralidade. A cartada final, porém, foi ainda melhor. Quando ainda era estatal, há uns 30 anos, o IRB comprou vários shoppings.

Desde então, o valor deles no Balanço Patrimonial da empresa era o mesmo. Em 2019, eles venderam os shoppings, gerando um lucro enorme.


Valorização? Não, apenas atualização de um valor que não mudava há 30 anos.


Voilà: + R$ 300 milhões de reais em lucro contábil. Resumo da ópera, esses foram os 3 truques usados pela IRB: •

  • Reduzir a PSL estimando salvados e ressarcidos

  • Reverter provisões antigas

  • Vender ativos antigos Juntos, eles geraram + R$ 2 bilhões de reais em lucro “fictício”, digamos assim E o pior, boa parte dentro da lei

A lição é simples: quanto mais liberdade contábil a empresa tiver, maior o risco dela estar escondendo algo.

Empresas cujo negócio envolve provisões têm liberdade para fazer quase o que quiserem. A melhor forma de identificar inconsistências é ficando de olho nas anomalias:

  • ROEs incríveis

  • Fluxo de caixa negativo vs lucro contábil positivo

  • Provisões baixas (vs concorrentes)

  • Falta de transparência


por: Leandro Siqueira

@vowtz

co-founder - @edufinancebr

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